Justiça proíbe o Planalto de atentar contra dignidade de Paulo Freire; multa é de R$ 50 mil
A decisão liminar, proferida em caráter de urgência, atende a um pedido do Movimento Nacional de Direitos Humanos
Gabriela Moncau
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
“Qualquer ato institucional atentatório à dignidade do professor Paulo Freire, na condição de Patrono da Educação Brasileira”, por parte do governo federal, estará descumprindo a lei. É o que determinou a Justiça Federal do Rio de Janeiro, em decisão liminar que atendeu a um pedido do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). Ainda cabe recurso por parte da Advocacia Geral da União (AGU).
A decisão da juíza Geraldine Vital foi proferida em caráter de urgência poucos dias antes da data em que o educador Paulo Freire, se estivesse vivo, completaria um século de idade. Caso descumpra a medida, a União deve pagar multa de R$ 50 mil por dia.
De acordo com a magistrada, a liberdade de expressão é princípio fundamental, mas essa garantia constitucional é desfigurada e violada quando há “abuso de direito pela expressão que ameace a dignidade”.
“Ninguém é obrigado a gostar de Paulo Freire, nem mesmo a seguir suas propostas e a concordar com suas ideias”, argumenta Paulo César Carbonari, membro da Coordenação Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos. “Mas todos e todas temos de respeitar seu legado e sua memória”, afirma.
A cruzada conservadora contra Paulo Freire
A ação movida pelo MNDH é mais uma das muitas reações da sociedade civil aos constantes ataques do presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores contra Paulo Freire, considerado um dos maiores intelectuais, filósofos e educadores do mundo.
Ainda em campanha presidencial, Jair Bolsonaro apresentou, em seu plano de governo, a proposta de expurgar “a ideologia de Paulo Freire” da educação. Em uma palestra dada na época para empresários no Espírito Santo, afirmou que era preciso “entrar com um lança-chamas no MEC [Ministério da Educação] para tirar o Paulo Freire de lá”.
Em outra ocasião, Bolonsaro, já presidente, comentava uma decisão do seu então Ministro da Educação, Abraham Weintraub, de desativar a TV Escola. O presidente, então, descreveu Paulo Freire como “ídolo da esquerda” e “energúmeno”.
Tendo morrido em 1997, Freire não vivenciou o bolsonarismo e o recente crescimento de ideais totalitários que o elegeram como um dos alvos. Soube bem, no entanto, o que é ser perseguido politicamente.
O educador se tornou conhecido na década de 1960, ao desenvolver e implementar um método inovador de alfabetização de 400 adultos no Rio Grande do Norte, partindo justamente do contexto e dos conhecimentos dos estudantes.
Os planos de implementar o programa em âmbito nacional, sob o governo de João Goulart, foram interrompidos com o golpe militar de 1964. Freire foi preso e, em seguida, viveu no exílio por 15 anos.
Atualmente o seu livro mais importante, Pedagagia do oprimido, está entre as 100 obras mais citadas em artigos acadêmicos na língua inglesa. Paulo Freire, entitulado Patrono da Educação Brasileira pelo Congresso Nacional desde 2012, tem o título de doutor honoris causa em ao menos 35 universidades mundo afora.
Talvez a obsessão com que as proposições freirianas são perseguidas nas ondas cíclicas de intensificação do conservadorismo no Brasil esteja explicada em uma das suas poderosas ideias, que aparece na citação do documento com o qual o MNDH entrou na Justiça. “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. As pessoas mudam o mundo”.
Edição: Vinícius Segalla